Basílica: o que é?

Diante
de muitas perguntas que se fazem sobre o significado e,
principalmente, sobre o sentido de uma igreja com o título de
“basílica”, torna-se importante conhecer alguns dados históricos
que ajudam a resgatar uma compreensão mais plausível sobre esta
realidade, em um contexto eclesial pós Vaticano II, onde parece
já não ter sentido certas realidades que, aliás, se forem bem
conhecidas, adquirem nova luz, como é o caso das basílicas. Este
é o objetivo das linhas que seguem.
1. Da
basílica pagã à Basílica Cristã
Basílica vem do grego basilikós = casa real. Basílicas
eram construções especiais com colunas e pórticos que na Grécia
levavam o nome de basílica, por estarem relacionadas ao rei (basileus).
Os gregos copiaram dos persas.
A
basílica na Pérsia era a sala de audiências do rei. Graças às
suas características de cunho prático, estas salas imensas com
mais de uma nave, sustentadas por pilastras, foram adotadas no
ocidente (cf. P. JOUNEL, Lugares de Celebração, in Dicionário
de Liturgia, Paulinas, S. Paulo, 1992, p.696).
Nas
basílicas da cultura grega se reuniam os magistrados e os
comerciantes. Posteriormente, na Roma antiga, vai designar o
edifício amplo e de formato retangular, destinado a tribunais e
local de encontro dos cidadãos. De fato, no século III a.C., a
forma arquitetural da basílica grega foi introduzida em Roma.
Com a
liberdade de culto favorecida pelo imperador Constantino (313),
e a posterior elevação do cristianismo como religião oficial
(380), muitas basílicas passaram a ser templos cristãos.
Os
locais de reunião das comunidades cristãs vão passar das casas (domus
ecclesiae) para as basílicas pagãs, agora transformadas em
templos cristãos. Muitos estudiosos falam da existência de
basílicas cristãs, mesmo antes de Constantino (cf. G. FILORAMO –
D. MENOZZI, Storia del cristianesimo, l’antichità, Ed.
Laterza, Roma, 1997, p. 360).
No
final do terceiro século, existiam perto de quarenta basílicas
cristãs, somente na cidade de Roma (cf. J. DANIÉLOU – H. MARROU
in Nova História da Igreja, Ed. Vozes, Petrópolis, 1973,
v. I, 2ª ed., p. 248).
2. A
arquitetura e formato das basílicas
As basílicas
consistiam em um grande quadrilátero oblongo, dividido em duas
partes principais: pátio ou jardim retangular, situado à sua
frente, circundado de pórticos e colunas, e no interior, no
fundo, um espaço menor chamado abside ou tribuna, cuja abertura
tinha forma abobadada.
A
abside, onde ficava o juiz e seus ajudantes, ficou sendo o lugar
dos presbíteros e do bispo, na basílica cristã. As basílicas,
após o Edito de Milão (313), vão ser edificadas principalmente
sobre os túmulos dos mártires, para honrar sua memória e
propiciar a reunião de grande número de cristãos, no dia da
festa do mártir (dies natalis martyris), cf. H. JEDIN,
Manual de historia de la Iglesia, Ed. Herder, Barcelona,
1980, v. II, p. 440 – 441).
Assim
será edificada pelo imperador Constantino, a Basílica de São
Pedro, no Vaticano, em 326, sobre o cemitério onde se encontrava
o túmulo do Apóstolo Pedro. Porém, com o passar do tempo, foram
sendo construídas basílicas dedicadas a Jesus Cristo, à Virgem
Maria e aos Santos.
Nestas
basílicas haviam três naves: a da direita era destinada aos
homens, a da esquerda às mulheres e a do centro era destinada
aos que se preparavam para o batismo e os que desejavam se fazer
cristãos.
O
centro da Basílica é o altar, sobre o qual se celebrava a Santa
Missa, situado à frente, logo diante da abside e encimado por um
baldaquino.
3. As
basílicas ontem e hoje
Com a
expansão do cristianismo, construíram-se inúmeras basílicas no
vasto império romano, agora cristianizado. Muitas delas foram
destruídas por guerras ou incêndios.
Muitas
destas antigas basílicas cristãs permanecem, outras foram
reconstruídas.
Atualmente
designa-se como basílica uma igreja privilegiada, de especial
importância, vindo logo depois da igreja catedral.
O
título de Basílica hoje é conferido pelo papa, através de um
decreto. Existem
quatro grandes basílicas maiores em Roma (as de São Pedro, São
Paulo, São João Latrão e Santa Maria Maior); todas as outras
basílicas são chamadas menores. A basílica sinaliza, nas várias
localidades, a presença do Santo Padre e a união do Povo de Deus
com ele.
No
Brasil existem diversas basílicas menores; a mais antiga é a
basílica de Nossa Senhora Aparecida, criada pelo papa Pio X, em
1908, em Aparecida-SP.
A basílica
vai simbolizar a comunidade cristã reunida, como imagem do Reino
de Deus, ou o reinado de Deus (basileus = rei).
A
comunidade reunida na Basílica torna visível e antecipa o Reino
de Deus, onde a fraternidade e o amor unem a todos na casa do
Pai, o qual alimenta a todos no banquete eucarístico. A
Basílica hoje pode ser vista por alguns, como resquício da era
sacral da Igreja. Para outros, porém, a Basílica preserva a
memória de uma época de expansão do cristianismo sem igual.
A
Basílica evoca o fim das terríveis perseguições movidas contra
os cristãos pelo Império Romano. Perseguições que obrigavam os
cristãos a se reunirem nas catacumbas, às escondidas.
Com a
liberdade de culto, os cristãos puderam se reunir nas basílicas.
É sábio tirar do seu tesouro coisas novas e velhas, disse Jesus.
A Basílica é algo antigo, que está no tesouro da Igreja Católica
e, por isso, tem seu valor ainda hoje, pelo que deve ser
valorizada, sem preconceitos.
4.
Condições para que uma igreja seja Basílica: deveres e
privilégios
Para
que uma igreja receba do papa o título de basílica, requer-se
que a mesma seja sagrada com o rito do Pontifical Romano e tenha
seu altar consagrado e com relíquias de mártires.
Requer-se, ainda, que a construção do templo seja digna de
admiração pela sua beleza, em seu aspecto artístico. Que goze de
certa notoriedade no seio da Diocese.
Além
disso, supõe-se que esse templo goze de especial predileção da
população, ou pela sua antiguidade, ou por seu aspecto
devocional.
Que seja um
santuário ou lugar de peregrinação, com afluência constante de
fiéis.
A
Basílica pode ter um timbre, símbolo ou escudo próprio, com o
sêlo pontifício (as duas chaves postas em aspas).
O maior
privilégio da Basílica, porém, é o seu próprio título, que a
distingue das outras igrejas, conferindo-lhe certo grau de
apostolicidade, por ter o Vigário de Cristo lhe posto a mão (cf.
REB v. 15, set. 1955 p.690-691).
O
principal símbolo da Basílica é o pavilhão nas cores papais –
vermelho e amarelo, a umbrela (símbolo da cúpula, de um templo
que se destaca dos demais) e o sêlo pontifício, ou seja, as
chaves cruzadas.
Na
Basílica devem ser celebradas, com solenidade, as seguintes
datas: a festa da cátedra de S. Pedro (2 de fevereiro), a
solenidade de S. Pedro e S. Paulo (29 de junho) e o aniversário
de eleição do sumo pontífice reinante.
A
Basílica deve dedicar-se, também, à divulgação dos documentos
pontifícios e do magistério em geral (cf. Decreto do Título de
Basílica Menor, de 06/06/1968, in AAS 60-1968- 536ss).
Na
Basílica deve-se cuidar no esmero das celebrações litúrgicas, a
pregação da Palavra de Deus deve ser constante e o atendimento
ao povo - principalmente quanto a confissões - deve ser
disponível.
Numa
basílica, pode-se ganhar as indulgências de praxe, nas seguintes
datas: na solenidade do titular, no dia 2 de agosto (privilégio
da Porciúncula), na solenidade de São Pedro e São Paulo e uma
vez ao ano, em dia a escolher.
5.
Basílica do Carmo - Campinas
Na
Arquidiocese de Campinas, a Basílica Nossa Senhora do Carmo é a
única igreja que possui o título de basílica. Na Arquidiocese de
Campinas, somente a Catedral, onde fica a cátedra episcopal, tem
precedência sobre a basílica. Portanto, é uma igreja singular.
Quanto
ao valor histórico, a distinção é notória. É a primeira igreja
matriz do distrito de Campinas do Mato Grosso, construída no
quadrilátero que hoje é formado pelas praças Bento Quirino e
Pompeu de Camargo, doação feita para ser o núcleo da sede do
distrito.
Aí foi
celebrada a primeira missa, em capela provisória, em 14 de julho
de 1774, presidida por frei Antônio de Pádua Teixeira, que foi o
primeiro vigário da nova paróquia, desmembrada de Jundiay.
Na
Basílica está sepultado o fundador de Campinas, Francisco
Barreto Leme, o qual encabeçou o movimento de reivindicação de
criação da freguesia e do distrito. Em seus altares, celebrou
muitas vezes o Pe. Diogo Feijó, posteriormente, regente do
Império.
Nela
foram batizados, entre outros, Carlos Gomes, Moraes Salles,
Francisco Glicério. O primeiro e o segundo bispo de Campinas,
ali exerceram seu ministério como párocos. Pela matriz do Carmo
já passaram sete párocos que se tornaram Bispos.
Nela
funcionou a matriz de Campinas, até 08 de maio de 1870, quando a
paróquia foi dividida em duas.
A
matriz nova, hoje catedral, levou o título de Nossa Senhora da
Conceição; e a matriz velha, hoje a Basílica do Carmo, passou a
ser designada Paróquia de Santa Cruz, tendo no entanto como
padroeira Nossa Senhora do Carmo (cf. in Pró Aris et Focis
– da matriz velha da Conceição à nova matriz do Carmo, Campinas,
1939 p.31 e p.45).
Quanto
ao valor artístico, passando por várias construções e reformas,
temos hoje a bela igreja no seu gótico estilizado. Não é o
gótico severo e oblíquo das catedrais medievais, mas o gótico
que a carência de recursos, à época de sua última remodelação,
na década de trinta, tornou mais gracioso.
A
Igreja está bem conservada; muitas obras a valorizam no seu
aspecto artístico. Destacam-se as pinturas de Caetano Miani e os
belos vitrais da Casa Conrado.
Quanto
ao amor do povo, também é notória a distinção da Basílica do
Carmo. É conhecida a estima da população de Campinas, na sua
maioria católica, em relação a este templo.
A
Basílica deve seu título ao Monsenhor Geraldo Azevedo, pároco de
1963 a julho de 2000. Com a aprovação do Arcebispo de então, Dom
Antônio Maria Alves de Siqueira, Monsenhor Geraldo preparou toda
a documentação, que incluiu desde o histórico completo da
igreja, até a obtenção da aprovação da CNBB e a assinatura dos
Cardeais do Brasil, aprovando a concessão deste título.
A
Congregação para o Culto Divino, após examinar a questão, deu ao
papa seu parecer favorável. Assim, em 06 de novembro de 1974, em
forma de Breve Apostólico, o Papa Paulo VI assinou o decreto
Sacra illa aedes, conferindo o título de Basílica à Matriz
do Carmo.
O
fato
foi comunicado oficialmente, através do protocolo n. 2057/74, da
Congregação para o Culto Divino, com a mesma data da assinatura
do decreto do Papa Paulo VI.
A
instalação foi realizada em solenidade presidida pelo núncio
apostólico no Brasil, Arcebispo Carmine Rocco, em 22 de junho de
1975, quando foram cumpridos todos os rituais para a instalação
da Basílica, em meio à grande afluência do povo, amplamente
documentada.
Côn.
Dr. Pedro Carlos Cipolini
Prof. de
História da Igreja Antiga na PUC-Campinas
Pároco e
Reitor da Basílica
do Carmo
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